sábado, outubro 31, 2009

ENTREVISTA - CROMBIE - QUEM OUVE COM O CORAÇÃO. NA VIDA ABRE JANELAS.



ENTREVISTA - CROMBIE - QUEM OUVE COM O CORAÇÃO. NA VIDA ABRE JANELAS.


12 de agosto de 2008 - Por Whaner Endo


Voz, violão, baixo e percussão... Instrumentos que nas mãos de um grupo de amigos de Niterói têm gerado poesia e música, com cheiro de Brasil. Finalistas do Festival de Bandas do Jornal do Brasil, o Crombie está, desde 2006 fazendo diferença dentro e fora dos muros da Igreja. Diferença essa que deve ser "percebida nas nossas atitudes, nas nossas reações, no nosso olhar, na forma como nos aproximamos, no que falamos, no que cantamos", como afirmou Paulo Nazareth.

Conheça um pouco mais da amizade entre Felipe, Filipe, Gabriel, Leonardo, Lucas e Paulo, nessa entrevista exclusiva para o Portal Cristianismo Criativo.

1. Conte-me um pouco sobre a história do Crombie. Quando e como ele surgiu? O que significa a palavra Crombie? Qual a formação original?


Paulo Nazareth - O Crombie surgiu em 2006. Nós somos amigos há bastante tempo (todos membros da Igreja Presbiteriana Betânia, em Niterói) e amamos música. Resolvemos por acaso mostrar, entre nós, canções que tínhamos composto. Percebemos, então, que pensávamos parecido e tínhamos gostos semelhantes, além da fé em comum, presente em tudo o que fazemos. Com isso, começamos a tocar juntos pra experimentar nossas idéias.

Quanto ao nome, nós nunca escolhemos "oficialmente" esse nome pra banda. O nome "Crombie" surgiu de uma brincadeira nossa com um amigo e parceiro de caminhada, o Heber Ribeiro, sem o qual não teríamos gravado o nosso 1º CD (porenquanto).

Hoje, quando pensamos em referências que a palavra "Crombie" possa trazer, lembramos logo do testemunho que queremos dar e temos a pretensão de mostrar uma forma mais esperançosa de enxergar a vida, através de nossas "criações". Gostamos de poesia e buscamos um olhar sensível pras questões mais comuns do dia a dia. Vemos isso presente naquilo que compomos.

A nossa formação é a mesma desde o começo: Felipe Vellozo (baixo e vocais), Filipe Costa (violão e guitarra), Gabriel Luz (violão, guitarra e vocais), Leonardo Soares e Lucas Magno (percussões) e Paulo Nazareth (vocal e violão).

2. Qual a formação musical de cada um? Além de música, o que cada um faz?

Paulo Nazareth - Nenhum de nós dedica-se exclusivamente à música. Pelo menos por enquanto. Alguns dão aula de música, mas todos estudam ou são formados e trabalham em áreas diferentes.

3. De todos os instrumentos, a viola caipira é a mais inusitada, ainda mais pra um grupo formado por jovens. Felipe, o que o levou a aprender a tocar viola?

Felipe Vellozo - A viola apareceu de forma inesperada. O Gabriel ganhou uma do tio dele e não sabia tocar, então ela ficou encostada... e às vezes ficava emprestada com alguns amigos. Percebi que estávamos deixando de lado um instrumento que tem um timbre absolutamente lindo e se encaixaria muito bem em nossa proposta sonora. Levei a viola pra casa, peguei uns discos do Renato Teixeira pra ouvir e com duas semanas já estava começando a compor "Sem Vaidade" na viola, fato que eu considerei ser muito bacana...hehe.

4. Qual a influência musical que cada um teve?

Paulo Nazareth – No caso da maioria, a música está presente desde a infância, justamente pelo fato de termos crescido na igreja, ouvindo e assistindo música. Eu, por exemplo, sou filho de cantor e compositor, Josué Rodrigues, sem dúvida alguma minha primeira influência musical. Foi ele quem me apresentou a música que curto até hoje.

Além das influências pessoais, temos todos influência mais forte da MPB. Ouvimos Lenine, Gilberto Gil, Chico Buarque, Los Hermamos, Arthur Maia, e por aí vai. Somos fãs da forma como esses caras se expressam musicalmente. Vendo por aí, não poderíamos deixar de citar também nomes como Gerson Borges, João Alexandre, Josué Rodrigues, Jorge Camargo e Sérgio Pimenta, dentre outros.

5. Dá pra perceber uma grande influência tanto esteticamente quando em relação à poesia que o Los Hermanos tem sobre o grupo. Isso é verdade?

Paulo Nazareth - É verdade. Nós gostamos de ouvi-los. No Crombie, somos quatro compondo. Um de nós especificamente, o Gabriel Luz (violão, guitarra e vocais), traz mais forte essa influência da boa mistura entre Rock e MPB.

6. O que cada um tem ouvido no seu Ipod ou MP3 Player?

Paulo Nazareth - Gilberto Gil, Josué Rodrigues (CD novo sendo lançado ainda esse ano), Brown, Ben Harper.

Léo - Richard Bona, Seal, Elly Aguiar, DMB, João Bosco.

Lucas - Gil, Brown, Djavan, Filipe Costa, Vanessa Da Mata, Djavan e Los Hermanos.

7. A natureza/ecologia é um tema recorrente na música de vocês. Por quê?

Paulo Nazareth - Não sabemos por quê. Acontece naturalmente de aparecer naquilo que compomos. Talvez seja um tema pouco falado, de forma geral. Fica aí a sugestão. Poderíamos todos falar mais sobre a Criação.

Léo - Provavelmente, porque vivemos em um lugar privilegiado, com mar, montanhas, florestas facilmente acessíveis e por gostarmos de desfrutar destes lugares com amigos e música.

8. Qual a diferença entre tocar na igreja e fora dela?

Paulo Nazareth - Nós queremos ser úteis pro nosso Deus e às vezes parece que quando tocamos fora da igreja podemos fazer maior diferença na vida de quem nos ouve. Mas dentro ou fora da igreja, pensamos nas pessoas e no que Deus pode fazer por elas. Desejamos que Deus nos use, como Ele quiser, pra tocá-las e que o nome d´Ele seja glorificado.

Léo - Na igreja estou em casa... fora, me preocupo mais, fico mais tenso.

9. O Cristianismo, como não poderia deixar de ser, tem grande influência na criação do grupo. O que seria diferente se vocês não tivessem esse background cristão?

Paulo Nazareth - Seria tudo diferente. Não dá nem pra imaginar. Não existiria a banda.

Paulo, por que você afirmou que o Crombie não pode ser incluído no espectro da música gospel? Como você vê o que tem sido criado em nome da música gospel?

Paulo Nazareth - Hoje o título "gospel" não nos traz, de primeira, uma impressão muito boa. E acreditamos que o que temos feito destoa, no que diz respeito à forma e ao conteúdo de quase tudo o que é classificado hoje como música gospel. Nos preocupamos com muito do que temos ouvido.

11. Um cristão que é músico pode ou deve fazer diferença fora da igreja?

Paulo Nazareth - Achamos que isso não é privilégio dos músicos. Um cristão deve sempre fazer diferença onde ele estiver. Seja qual for a ocupação dele. Essa diferença é percebida nas nossas atitudes, nas nossas reações, no nosso olhar, na forma como nos aproximamos, no que falamos, no que cantamos, etc.

12. Como cada um se vê daqui a uns 10/15 anos?

Paulo Nazareth - Acho difícil fazer essa projeção. As coisas estão mudando rápido demais. Mas acho que nunca deixaremos de estar, de alguma forma, envolvidos com música. No meu caso é uma das coisas que mais me realiza na vida.

13. Se quase tudo é temporal, o que não é mais que um momento?

Paulo Nazareth - Nem tudo é temporal. Existem coisas que não estão sob a ditadura implacável do tempo. A palavra de Deus e a nossa fé n´Ele são exemplos de coisas que mostram a eternidade, dando o ar da graça e já sendo vivenciada nos dias aqui.

14. Como cada um tem vivenciado a sua fé num mundo de tanta correria e desigualdade?

Léo - Debaixo da graça e da misericórdia Deus.

Lucas - Acredito que essas dificuldades sempre ocorreram, mas de forma diferente ou sem tanta explanação como é feito hoje, quando se dá ênfase às coisas ruins do mundo se esquecendo por completo do amor de Deus que é visto de forma gritante, só que ignorada, em pessoas por todo o canto. Mas acredito também no óbvio, que sem a misericórdia de Deus não vamos a lugar algum, e por isso a nossa dependência e humildade como filhos diante Dele tem que ser constante. Jesus nunca disse que seriam tempos fáceis ou tranqüilos e por isso temos que estar constantemente preparados, de forma ativa e buscando sempre o controle de Deus sobre nossas vidas.

Filipe Costa - Deus tem se mostrado muito cuidadoso comigo e com minha família. E isso renova a minha fé.

15. Será que se vocês não fossem de Niterói, alguma coisa na sonoridade do Crombie seria diferente?

Paulo Nazareth - Niterói é um celeiro de bons músicos e a gente acaba tendo contato mais próximo com alguns deles. Talvez isso faça diferença. Somos bem inexperientes com relação a estar na estrada tocando, mas temos boas referências por perto.

Léo - Na sonoridade, talvez não, mas nas temáticas é provável que sim. Como pensar na música do Gabão (Mar) sem ter em mente a praia de Itacoatiara e sua vista?

Filipe Costa - Acho que seria tudo diferente... concordo com o que Paulo disse... e acho também que cada região tem um cenário musical diferenciado e esse cenário é uma grande influência para nossa sonoridade.

16. Como tem sido a aceitação do "porenquanto"?

Paulo Nazareth - Tem sido legal. Não esperávamos o retorno que temos tido. A maioria das pessoas que ouve nos dáo resposta muito positiva, nos agradece e nos incentiva. Às vezes nos deparamos com críticas construtivas e gostamos muito disso também.

17. Quais os próximos projetos?

Paulo Nazareth - Temos tido a oportunidade de tocar em lugares legais, principalmente no Rio. Isso é mais do que imaginamos inicialmente e nos deixa muito felizes. Por enquanto, estamos por conta do nosso CD, que saiu no começo de 2008 e já pensamos na possibilidade do próximo, ano que vem.

18. O que é Cristianismo Criativo pra vocês?

Lucas - É viver Jesus Cristo de forma simples, assim como é o próprio evangelho; é poder contar sobre Jesus de diferentes formas, sem agressões ou até jargões evangélicos, sendo total dependente da misericórdia, graça e sabedoria d´Ele.

Filipe Costa - Acho que Cristianismo Criativo é também se importar com a forma que usamos pra levar a palavra... produzir algo de qualidade que tenha também um valor artístico, que transmita o que temos pra falar de uma forma agradável.

Para saber mais sobre o grupo:


FONTE: http://www.cristianismocriativo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=190&Itemid=9

sexta-feira, outubro 30, 2009

QUANDO A RELIGIÃO NOS OPRIME - Henrique Vieira


QUANDO A RELIGIÃO NOS OPRIME

Henrique Vieira

Quando a religião nos oprime
Quando a religião limita a nossa espontaneidade
Quando a religião se restringe a um emocionalismo desumano com a humanidade
Quando a religião formata e vigia comportamento, mas não cria amor pela verdade.
Quando a religião envelhece o espírito e rouba a ingenuidade
Quando a religião massacra a experiência, sufoca a voz da transcendência, enquadra Deus na racionalidade
Quando a religião não aceita poesia, não nos deixa curtir e dançar ao som da melodia
Quando a religião amarga o coração, descobre o céu, tira o prazer da vida e o sorriso de Deus.
Quando a religião impõe Deus, mas não se expõe a Ele.
Quando a religião se faz um mar de abstração, descrê da revelação e fecha o céu.
Quando a religião nos tira a leveza, não se faz beleza e faz de Deus um réu.
Quando a religião se torna irrelevante para os caminhos meus.
Posso com certeza dizer
Foi ela quem me roubou Deus.

sábado, outubro 24, 2009

OS MUITOS EUS - Ricardo Gondim


OS MUITOS EUS

Ricardo Gondim

De tempo em tempo escrevo experiências já vividas; antecipo-me à perda da memória. Nesses passeios ao passado, desisti de voltar aos lugares que me marcaram. Meu mundo adulto encolheu; o vasto universo infantil desaparece aos poucos. Mas não consigo me desvencilhar das personagens que me impressionaram. Vez por outra elas me desobedecem e saem das sombras; nem todos me alegram, alguns insistem em me atormentar.

De Londrina não revejo apenas o pó vermelho que encardia os pés e tingia o céu em tardes de temporal – Como dava medo! Ressuscito vultos; amigos que me ensinaram a nadar em ribeiros e represas. Da velha catedral londrinense, não esqueço o rosto do padre que me estendeu o primeiro sacramento.

Meu passado não foi perfeito. Cedo, conheci pessoas ruins, tipos esquisitos que me mostraram um mundo perigoso.

Papai estava preso e permanecia incomunicável em alguma base militar do Brasil. Logo antes do golpe, ele pedira transferência de Londrina para outro destacamento aéreo, mas antes do despacho oficial, o governo capitulou. Mamãe, grávida de gêmeos e mais cinco filhos, viu-se no meio da tormenta. A situação se agravava a cada momento. Sem eira nem beira, não tínhamos para onde voltar e não sabíamos para onde ir. Acabamos na apertada casa de vila dos meus avós em Fortaleza. Precisando estudar, fui matriculado em um Grupo Escolar.

O prédio era mal cuidado; as carteiras, pensas, pareciam prestes a desabar. A lousa guardava um verde desbotado. Na primeira semana de aula eu e meu irmão chamávamos a atenção devido ao sotaque paranaense. A choça dizia que soava afeminado. Nunca hei de esquecer a manhã quando ouvi: “Veado!”. Fui na direção da voz, disposto a brigar. Não dei três passos e seis formaram uma parede humana; todos mais fortes e mais velhos do que eu. Um deu um passo à frente para me afrontar. Mas não ousei nenhum gesto. Ele então escarrou e cuspiu no meu rosto.

Ódio, raiva, ira, furor, acenderam uma febre súbita por todo o meu corpo. Rompeu-se a indignação que eu represava pela prisão do papai, de não ter casa ou quarto de dormir, de pressentir que jamais voltaria a me deitar no colo da mamãe, como em Londrina, de frequentar uma escola vagabunda, de ter perdido antigos amigos. Tentei não chorar, e dei as costas para o grupo. Enxuguei o cuspe, mas o ódio permaneceu. Por anos, procurei guardar aquela fisionomia para matá-lo.

Pergunto-me se já consegui esquecer a afronta. Acho que sim. Cheguei a esforçar-me para redesenhar sua expressão odiosa, mas ele sumiu nos anos que se passaram. Sem um rosto o ódio não consegue se adensar. Embora a memória daquele dia continue vívida a raiva passou. Escrevo procurando resignificar aquele passado. A maldade só é destruída quando a bondade anula a ferocidade do rancor.

Outras decepções me marcaram desde então. Não esqueço: namoradas me traíram; amigos que me consideraram pobre (eu não tinha dinheiro para comprar um mísero refrigerante na praia) seguiram por outras trilhas.

Perguntam-me sobre a minha tristeza. Respondo: ela é filha das decepções, mas a mãe dos vários eus que convivem dentro de mim. Sou filho das dores e alegrias que me sobrevieram ao longo dos anos. Viver é isso: não deixar que as alegrias me deixem superficial ou que as dores me desfigurem pelo ódio. Lembro de Mia Couto: “Eu somos tristes. Não me engano, digo bem. Ou talvez: nós sou triste? Porque dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses todos disputam minha única vida. Vamos tendo nossas mortes. Mas parto foi só um. Aí, o problema. Por isso, quando conto a minha história me misturo, mulato não de raças, mas de existências”.

Nas existências que vivo, aprendo resiliência, perseverança e santa teimosia que, juntas, me animam ao imperativo de amar.

Soli Deo Gloria

FONTE: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=66&sg=0&id=2292